A TCC é um dos modelos psicológicos baseados em evidências que tem contribuído para a compreensão e intervenção com casais (Durães et al., 2020; Figueiredo, 2021). Essa abordagem compreende que, desde a primeira infância, são desenvolvidos os esquemas de crenças do indivíduo, que funcionarão como filtros de processamento das informações sobre o ambiente, o futuro e si mesmo (Baucom et al., 2020; Scribel, 2020). As estruturas cognitivas, construídas pelo interjogo entre aspectos temperamentais, biológicos, socioculturais e familiares, influenciarão, inclusive, as futuras escolhas amorosas do sujeito (Cardoso & Paim, 2020, 2024).
Na TCC para casais, há uma compreensão do papel negativo que os pensamentos, as expectativas, as emoções e as atribuições distorcidas podem exercer sobre a qualidade da comunicação e de outros indicadores das relações conjugais (Scribel, 2020). Dessa forma, esse modelo não vê os conflitos conjugais como resultado de uma incompatibilidade fundamental, mas como fruto de interpretações distorcidas que geram comportamentos disfuncionais e erros na comunicação, sendo os cônjuges capazes de lidar com essas falhas e resolver os mais difíceis desentendimentos (Beck, 1988; Gameiro & Corrêa, 2019; Maciel et al., 2022).
Em seus primeiros estudos sobre o modelo cognitivo aplicado aos casais, Beck (1988) indicou que algumas das formas de intervenção para as problemáticas nas relações conjugais estariam na reestruturação de cognições, no manejo das emoções, na modificação de padrões de comunicação disfuncionais e no desenvolvimento de estratégias para a solução de problemas cotidianos mais eficazes. Para o alcance desses objetivos, a TCC aplicada aos casais permite integrar outras modalidades de TCCs, concentrada na influência do sistema de crenças sobre as emoções e o comportamento de cada pessoa da relação (Scribel, 2020). O processo terapêutico perpassa por uma avaliação das áreas problemáticas do casal, seu modo de interagir, de se comunicar, os fatores de estresse, entre outros (Ludgate & Gruber, 2018). Para tanto, utiliza-se entrevistas, questionários e escalas, a fim de investigar informações que irão auxiliar na formulação do plano de intervenção (Cardoso, 2021a; Peçanha & Rangé, 2008).
Figueiredo (2021), por meio de revisão integrativa da literatura, identificou que a TCC com casais têm buscado a promoção da satisfação conjugal dos casais e que os estudos sobre a aplicação dessa abordagem, em suas diversas vertentes, têm indicado níveis significativos de eficácia. Além disso, Bélanger et al. (2015) indicam, a partir de um estudo experimental, que a TCC com casais é eficaz para a melhora do ajustamento global e na autoavaliação na resolução de problemas dos cônjuges. As explicações para esses resultados envolvem desde a manutenção e o cultivo da relação terapêutica (Wenzel, 2018) até a aplicação adequada de técnicas selecionadas a partir de uma boa conceitualização do caso (Cardoso & Neufeld, 2018; Wenzel, 2018).
Para além do amor entre o casal, a TCC identifica que são necessárias habilidades e qualidades pessoais na relação para fazê-la crescer (Beck, 1988). Trazendo uma compreensão sobre os problemas que interferem nos relacionamentos conjugais, os programas de intervenção baseados nas TCCs têm sido efetivos para melhorar a comunicação (Epstein & Zheng, 2017; Maciel et al., 2022; Pantoja & Martins, 2020), interpretar o outro (Beck, 1988; Gameiro & Corrêa, 2019), ensinar a lidar com o estresse na relação (Plutarco et al., 2019), promover recuperação e manutenção de relacionamentos conjugais saudáveis (Bélanger, 2015; Guimarães, 2019) e ampliar o repertório de habilidades sociais conjugais, satisfação e qualidade do relacionamento (Cardoso, 2021a; Figueiredo, 2021; Pantoja & Martins, 2020).
O tratamento, a depender do direcionamento, frente ao processo de conceitualização do caso, poderá ter três focos técnicos: a) cognitivo (p. ex., erros no processamento de informações, distorções cognitivas); b) emocional (emoções “quentes” vinculadas a situações-gatilho específico); e/ou c) comportamental (p. ex., problemas relacionais de comunicação e resolução de problemas). O terapeuta auxiliará os casais no alcance de seus objetivos, tanto por meio de habilidades comuns na terapia (p. ex., escuta clínica e compreensão empática) quanto pela aplicação de técnicas personalizadas, as quais precisam ser bem dirigidas e aplicadas em cada caso (Cardoso, 2021a; Worrell, 2015).
Além das estratégias cognitivas (p. ex., reestruturação de cognições), a proposta de uma prática integrativa em TCC, por meio do diálogo com outros modelos cognitivo-comportamentais, fornece um arsenal de processos que visam melhorar a qualidade das relações. Para tanto, o terapeuta cognitivo-comportamental, a partir da conceitualização cognitiva do casal (Cardoso, 2021b), se utilizará de técnicas que auxiliarão cada etapa do processo terapêutico e podem ser apontadas como recursos de intervenção sobre cognições, emoções e comportamentos (Canals & Perez, 2020).
As técnicas avaliam e direcionam os clientes a um desenvolvimento adequado e podem ser de diferentes abordagens entre as TCCs. É essencial que o terapeuta saiba utilizá-las diante de emoções, comportamentos e pensamentos negativos expressados pelos clientes para que haja progresso no processo terapêutico. Destaca-se que não se trata de uma escolha indiscriminada, mas do uso de estratégias pensadas de forma personalizada e colaborativa, de forma a auxiliar o alcance dos objetivos terapêuticos (Cardoso, 2021a; Conceição & Bueno, 2020; Wenzel, 2018). É necessário que o psicoterapeuta de casais tenha conhecimento e propriedade para saber qual técnica é adequada para cada caso. Ele pode precisar escolher diferentes técnicas com o mesmo objetivo, saber quais delas têm mais afinidade com seu trabalho, quais ativarão as experiências necessárias aos clientes, entre outras questões (Conceição & Bueno, 2020).
Diversas técnicas em TCC já estão disponíveis na literatura, principalmente para o contexto de terapia individual (Leahy, 2018). No que se refere à TCC para casais, também há uma diversidade de técnicas, muitas delas internacionais e publicadas em livros (Ludgate & Gruber, 2018; Worrell, 2015). Contudo, esse conhecimento ainda não é acessível à população geral de terapeutas de casais brasileiros que, por vezes, desconhecem a amplitude das técnicas que são utilizadas no processo psicoterápico com casais (Costa et al., 2017).
Ademais, embora sejam vastas as publicações sobre as TCCs, ainda são reduzidos os estudos no contexto de terapia de casais, principalmente no Brasil (Peçanha & Rangé, 2008; Plutarco et al., 2019). A literatura psicológica é ampla, mas poucos estudos discutem o processo terapêutico com casais voltando-se para o que ocorre na terapia (Ferreira, 2005) e isso inclui os procedimentos técnicos adotados. Outrossim, as menções de técnicas nessa área ainda estão compiladas em livros ou capítulos de livros, principalmente no exterior, dificultando o acesso de terapeutas brasileiros a essas produções.
Diante do exposto, o presente estudo visa responder à pergunta: “Quais são as principais técnicas cognitivo-comportamentais para casais indicadas por especialistas em terapia de casais?”. Outras questões a serem abordadas também são: quais os objetivos dessas técnicas? Quais problemas conjugais essas técnicas pretendem intervir? Em quais etapas da terapia essas técnicas são aplicadas? Em qual modelo teórico, dentro das TCCs, essas técnicas são fundamentadas?
Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar as técnicas cognitivo-comportamentais na terapia de casais e, para tanto, foram mapeados os objetivos das técnicas e o modelo teórico entre as TCCs do qual a técnica faz parte, bem como foram selecionados quais os principais problemas conjugais aos quais as técnicas visam alcançar, a etapa do tratamento na qual é aplicada e como ela é apresentada no texto.
MÉTODO
Delineamento
Trata-se de um estudo qualitativo de revisão a partir da indicação de juízes especializados na temática-chave do estudo. A estratégia de busca por especialistas vem sendo indicada para pesquisas cujo tema tem literatura prévia escassa, além de suas vantagens práticas e financeiras. Ademais, agrega maior fidedignidade na representação do problema de pesquisa e reduz o viés metodológico (Pinheiro et al., 2013).
Acrescenta-se que, entre os tipos de pesquisa qualitativa, esta é uma pesquisa documental que utiliza textos escritos secundários, permitindo uma síntese do conhecimento e a incorporação de estudos significativos na prática profissional (Souza et al., 2010). Esse método de investigação tem seis fases, as quais foram seguidas neste estudo: 1) identificação da questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; 2) elaboração de critérios para inclusão e exclusão dos estudos; 3) definição das informações a serem extraídas; 4) avaliação dos estudos incluídos; 5) interpretação dos resultados; e 6) apresentação da síntese do conhecimento (Sousa et al., 2017).
Procedimento
Para dar início à revisão, foram consultados 10 psicólogos especialistas em terapia de casais e/ou sexualidade, com enfoque em alguma das TCCs (p. ex., terapia cognitiva de Beck, terapia cognitiva sexual, terapia de aceitação e compromisso, terapia do esquema, terapia comportamental integrativa de casais) e com, no mínimo, cinco anos de formação, solicitando que indicassem, pelo menos, cinco livros, capítulos ou artigos que abordassem técnicas da TCC com casais, a partir do seguinte disparador: “Indique as cinco melhores referências de seu conhecimento que abordem técnicas da TCC para casais”. Um formulário do Google, com uma breve explicação da pesquisa e a pergunta disparadora, foi enviado para uma rede on-line de 18 contatos de especialistas brasileiros em terapia de casais e/ou sexualidade, obtendo-se, ao final, a resposta de 10 profissionais, sob diferentes perspectivas teóricas. As informações sobre os especialistas que participaram da indicação das referências podem ser consultadas na Tabela 1.
Tabela 1 Informações sobre os especialistas.
Nome | Idade | Tempo de formação |
Abordagem teórica que mais se identifica nas TCCs |
---|---|---|---|
Especialista 1 | 41 | 18 anos | Terapia cognitivo-comportamental e terapia do esquema |
Especialista 2 | 44 | 20 anos | Terapia cognitivo-comportamental |
Especialista 3 | 54 | 25 anos | Terapia racional-emotiva comportamental |
Especialista 4 | 30 | 8 anos | Terapia cognitivo-comportamental e terapia do esquema |
Especialista 5 | 31 | 6 anos | Terapia do esquema |
Especialista 6 | 47 | 18 anos | Terapia do esquema |
Especialista 7 | 37 | 18 anos | Terapia cognitiva sexual |
Especialista 8 | 35 | 11 anos | Terapia cognitivo-comportamental e terapia do esquema |
Especialista 9 | 39 | 16 anos | Terapia cognitivo-comportamental |
Especialista 10 | 40 | 18 anos | Terapia do esquema |
As indicações feitas pelos especialistas passaram por uma triagem em relação aos critérios de inclusão e exclusão, permanecendo aquelas referências que descrevessem técnicas cognitivo-comportamentais com casais de forma coerente com as perguntas desta pesquisa. Os critérios de inclusão foram: a) estar nos idiomas português, inglês ou espanhol; b) estar documentado em livro, capítulo ou artigo; c) ser uma técnica das abordagens cognitivo-comportamentais; d) abordar terapia com casais; e e) descrever, basicamente, os procedimentos utilizados. Na Figura 1, há o fluxograma da seleção de referências que compuseram a amostra deste estudo seguindo o diagrama PRISMA (Page et al., 2021).
As referências foram lidas na íntegra e analisadas de acordo com um protocolo de extração de dados, que identificou: a) nome da técnica; b) autor da técnica; c) objetivos; d) quais problemas conjugais pretende intervir; e) modalidade de abordagem da TCC que a fundamenta; f) em qual fase do tratamento é recomendada; e g) de que forma é descrita no texto. Para facilitar a análise e a caracterização das técnicas, criou-se um formulário no Google contendo as informações do protocolo, o qual foi preenchido com os dados das técnicas encontradas. Também foram extraídos dados básicos sobre os estudos selecionados, como título, autor(es), período de publicação, abrangência e tipo de publicação. Após a leitura geral das referências e da extração dos dados de acordo com o protocolo, realizou-se uma triagem das técnicas encontradas a fim de selecionar quais seriam incluídas ou excluídas do estudo. As incluídas foram aquelas que se encaixavam na definição de técnica cognitivo-comportamental mencionada a seguir. O critério de exclusão consistiu em ser uma técnica duplicada. A análise de inclusão e exclusão das técnicas extraídas foi feita por dois pesquisadores independentes.
Para identificar o que seria uma técnica cognitivo-comportamental nos estudos selecionados, foi adotada a seguinte definição, baseada em Beck (2021) e Leahy (2018): técnicas cognitivo-comportamentais são procedimentos, sob enfoque das TCCs, que tenham como objetivo promover mudanças, de curto, médio ou longo prazos, nos pensamentos, nas emoções e/ou nos comportamento do cliente. Ademais, para que o procedimento fosse considerado técnica, foi necessário que apresentasse, no mínimo, um problema específico a ser manejado e um objetivo a ser alcançado após sua aplicação.
Nessa etapa, foram criadas categorias de análise para as técnicas encontradas, de forma a mostrar um panorama sobre as referências analisadas. As técnicas encontradas foram categorizadas da seguinte maneira: 1) problemas conjugais (p. ex., padrões de interação e comunicação disfuncionais, problemas sexuais, estresse, cognições distorcidas sobre o cônjuge/relacionamento); 2) objetivos das técnicas (p. ex., avaliação da demanda, reestruturação cognitiva, aumento da intimidade/parceria, comunicação efetiva, desenvolvimento de habilidades sociais); 3) origem das técnicas (nacional, internacional, não identificada); 4) fase do tratamento (inicial, intermediária, final, follow-up); 5) modelo teórico adotado (p. ex., TCC tradicional, terapia do esquema, terapia comportamental integrativa de casais, terapia focada na emoção); 6) ênfase da técnica (cognitivo, emocional, fisiológico, comportamental); e 7) apresentação da técnica no texto (explicada sem etapas de aplicação, mencionada rapidamente, explicada em etapas de aplicação).
RESULTADOS
Foram lidas e analisadas 20 referências, entre as quais havia 17 livros e três artigos. Na leitura geral, encontrou-se 440 técnicas nos livros e 20 técnicas nos artigos, totalizando 460 técnicas identificadas nas referências. Após o processo de triagem, 82 técnicas repetidas foram excluídas nos livros, restando um total de 358 técnicas nessa parte da amostra. Já na amostra de artigos, foram encontradas 13 repetições, restando sete técnicas dos artigos. Dessa forma, foi encontrado como resultado na amostra geral 365 técnicas. As referências incluídas no estudo indicadas pelos especialistas podem ser consultadas na Tabela 2.
Tabela 2 Referências indicadas pelos especialistas com número de técnicas da leitura geral.
Tipo de publicação |
Título | Autor(res) | Ano de publicação | Revista/ Editora |
Nº de técnicas |
---|---|---|---|---|---|
Artigo | Infidelity treatment from an integrative behavioral couple therapy perspective: Explanatory model and intervention strategies | Barraca e Polanski |
2021 | Journal of Marital and Family Therapy | 2 |
Artigo | A terapia de casais com base na terapia cognitivo-comportamental | Silva e Paro | 2017 | Revista Universo | 6 |
Artigo | Terapia cognitivo-comportamental com casais: uma revisão | Peçanha & Rangé | 2008 | Revista Brasileira de Terapias Cognitivas | 13 |
Livro | Baralho da conceitualização cognitiva para casais | Cardoso | 2021b | Sinopsys | 7 |
Livro | Terapia cognitiva sexual: teoria e prática | Sardinha | 2020 | Episteme | 7 |
Livro | Terapias cognitivocomportamentais para casais e famílias: bases teóricas, pesquisas e intervenções | Cardoso & Paim | 2020 | Sinopsys | 39 |
Livro | Terapia do esquema para casais: base teórica e intervenção | Paim & Cardoso | 2019 | Artmed | 38 |
Livro | Terapia dos movimentos sistêmicos | Lomando & Sigaran | 2018 | Arte em Livros | 37 |
Livro | The CBT Couples Toolbox | Ludgate &. Grubr | 2018 | PESI | 42 |
Livro | Diferenças reconciliáveis | Christensenet al. | 2018 | Sinopsys | 22 |
Livro | Terapia cognitiva sexual: uma proposta integrativa na psicoterapia da sexualidade | Carvalho & Sardinha | 2017 | Cognitiva | 11 |
Livro | Cognitive Behavioural Couple Therapy: Distinctive Features - Capítulos 18 a 26 | Worrell | 2015 | Routledge | 25 |
Livro | Schema Therapy with Couples: A Practitioner’s Guide to Healing Relationships | Simeone- Difrancesco et al. |
2015 | Wiley Blackwell | 18 |
Livro | Helping Couples Get Past the Affair: A Clinician’s Guide | Baucom et al. | 2011 | Guilford | 19 |
Livro | Manual de terapia cognitivo-comportamental para casais e famílias | Dattilio | 2010 | Artmed | 23 |
Livro | Enhanced Cognitivebehavorial Therapy for Couples: A Contextual Approach | Epstein & Baucom |
2002 | American Psychological Association (APA) | 29 |
Livro | Terapia cognitiva com casais | Dattilio & Padesky | 1995 | Artmed | 12 |
Livro | Cognitive-behavioral Marital Therapy | Baucom & Epstein |
1990 | Routledge | 44 |
Livro | Love is Never Enough | Beck | 1988 | Harper & Row | 40 |
Livro | Prática de la terapia racional emotiva | Dryden & Ellis | 1987 | Desclée de Brouwer | 27 |
Total | 461 |
Dos 17 livros analisados, na etapa de leitura geral sem exclusão de técnicas repetidas, destacaram-se os livros com maior porcentagem de técnicas: Cognitive-behavioral Marital Therapy, com 44 técnicas (10% da amostra de livros/9,5% da amostra total), e The CBT Couples Toolbox, com 42 técnicas (9,5% da amostra de livros/9,1% da amostra total). Entre os artigos, a maior parte das técnicas concentrou-se no artigo “Terapia cognitivo-comportamental com casais: uma revisão” (Peçanha & Rangé, 2008), com 13 técnicas, o equivalente a 61,3% da amostra de artigos (2,8% da amostra total).
A seguir, serão apresentados os resultados após a exclusão de técnicas repetidas, conforme as categorias de análise previamente delineadas neste estudo: 1) problemas conjugais; 2) objetivos da técnica; 3) origem da técnica; 4) fase do tratamento; 5) modelo teórico adotado; 6) ênfase da técnica; e 7) apresentação no texto. Destaca-se que os resultados nessas categorias foram analisados e organizados em termos quantitativos.
Problemas conjugais
Os diferentes problemas conjugais abordados pelas técnicas são: cognições distorcidas sobre o cônjuge/relacionamento (43%, 157 técnicas), padrões de interação e comunicação disfuncionais (33,4%, 122 técnicas), problemas sexuais (7,3%, 27 técnicas), conflitos em resoluções de problemas (6,8%, 25 técnicas), traição (5,2%, 19 técnicas), estresse (1,6%, seis técnicas), distanciamento emocional (1,3%, cinco técnicas), atribuições de papéis disfuncionais (0,8%, três técnicas) e doença física/mental (0,5%, duas técnicas).
Objetivos da técnica
Os objetivos das técnicas mapeadas tinham os seguintes focos: 38,6% em reestruturação cognitiva (141 técnicas); 13,1% em avaliação de demanda (48 técnicas); 11,8% em redução da hostilidade/estresse (43 técnicas); 10,6% em ensinar comunicação efetiva (39 técnicas); 8,7% em aumento da intimidade/parceria (32 técnicas); 7,4% em resolução de problemas/negociação (27 técnicas); 7,4% em melhorias no envolvimento sexual (27 técnicas); 1% em reestruturação de papéis (quatro técnicas); 0,5% em desenvolvimento de habilidades sociais (duas técnicas); e 0,5% em consolidação do aprendizado (duas técnicas).
Origem da técnica
No geral, as técnicas encontradas no estudo foram de origem internacional (64,1%), de origem não identificada (22,7%) e nacional (13,1%). Especificamente sobre os livros, os resultados apontaram que 63,4% (227) das técnicas foram de origem estrangeira, 23,1% (83) foram de origem não identificada e 13,4% (48) foram de origem nacional. Já nos artigos, 100% das técnicas encontradas foram de origem estrangeira.
Fase do tratamento
No que diz respeito à fase do tratamento em que as técnicas são indicadas, no geral, encontrou-se que 58,6% não têm indicação da fase do tratamento, 17% são indicadas para a fase inicial, 21,9% para a fase intermediária, 1,9% para a fase final e 0,5% para o follow-up. Especificamente sobre os livros analisados, 57,8% (207) das técnicas não têm indicação da fase do tratamento, 17,3% (62) são indicadas para a fase inicial, 22,3% (80) são indicadas para a fase intermediária, 2% (7) são para a fase final e 0,5% (2) são para o follow-up. Já nos artigos, 100% das técnicas encontradas não foram especificadas quanto à fase de tratamento.
Modelo teórico adotado
Em relação ao modelo teórico das técnicas encontradas, foi possível identificar 11 abordagens diferentes: TCC tradicional de Beck (56%), terapia do esquema (12,8%), terapia sistêmico-cognitiva (10,4%), terapia racional-emotiva comportamental (7,6%), terapia comportamental integrativa de casais (6%), psicologia positiva (2%), mindfulness (2%), terapia de casal focada nas emoções (1,3%), terapia cognitiva sexual (0,8%), terapia comportamental dialética (0,5%) e terapia focada na compaixão (0,5%). Entre essas abordagens, destacaram-se: a TCC tradicional, que abrangeu 197 técnicas dos livros e as sete técnicas dos artigos, o que representou 55% da amostra de livros e 100% da amostra de artigos; a terapia do esquema, que baseou 47 das técnicas encontradas, o que abrange 13,1% da amostra de livros; e a terapia sistêmico-cognitiva, que se apresentou em 38 das técnicas encontradas, representando 10,6% da amostra de livros.
Ênfase da técnica
Com relação à ênfase da técnica, encontrou-se que 58% eram de enfoque cognitivo, 24,1% de enfoque comportamental, 17,8% de enfoque emocional e 0,5% de enfoque fisiológico. Das técnicas encontradas em livros, 205 eram de enfoque cognitivo (57,3%), 88 de enfoque comportamental (24,6%), 63 de enfoque emocional (17,3%) e duas de enfoque fisiológico (0,6%). Já nos artigos, 57,3% (4) eram de enfoque cognitivo, 28,6% (2) de enfoque comportamental e 14,3% (1) de enfoque emocional, não tendo sido identificadas técnicas de enfoque fisiológico.
Apresentação no texto
Quanto à apresentação da técnica no texto, verificou-se que 37,7% foram apenas mencionadas rapidamente, 31,4% foram explicadas em etapas de aplicação e 30,8% foram explicadas, mas sem etapas de aplicação. Identificou-se que, especificamente na leitura dos livros, 137 técnicas foram apenas mencionadas rapidamente (38,3%), 112 técnicas foram explicadas, mas sem etapas de aplicação (31,3%), e 109 técnicas foram explicadas em etapas de aplicação (30,4%). Na leitura dos artigos, 85,7% (6) das técnicas foram apenas mencionadas rapidamente e 14,3% (1) foram explicadas, mas sem etapas de aplicação, e nenhuma técnica foi explicada em etapa de aplicação.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi analisar as técnicas cognitivo-comportamentais na terapia de casais e, para tanto, foram mapeados os objetivos das técnicas e o modelo teórico entre as TCCs do qual a técnica faz parte, bem como foram selecionados quais os principais problemas conjugais aos quais as técnicas visam alcançar, a etapa do tratamento na qual é aplicada e como ela é apresentada no texto. Observando o número de referências e de técnicas mapeadas no estudo, pode-se afirmar que existe uma quantidade significativa desses procedimentos em TCCs para casais. Isso se deve ao fato de que, desde a década de 1980, a TCC com casais vêm aumentando sua produção gradualmente (Peçanha & Rangé, 2008), o que se confirma pela observação do período entre 2010 e 2022 na Tabela 2, que apresenta as referências indicadas pelos especialistas.
Analisando-se os problemas conjugais visados pelas técnicas, “cognições distorcidas sobre o cônjuge/relacionamento” destaca-se como um dos principais alvos do setting terapêutico e com maior porcentagem nos resultados. Esse achado é compatível com a abordagem teórica, que compreende as cognições distorcidas como a raiz dos conflitos conjugais, da qual se ramificam as interpretações negativas dos cônjuges um sobre o outro e sobre a relação, bem como os padrões de comportamento e comunicação disfuncionais (Baucom et al., 2020; Gameiro & Corrêa, 2019). A TCC ressalta que as estruturas de crenças são desenvolvidas desde a infância e influenciam a forma como os indivíduos enxergam a si mesmos, os outros e as situações que ocorrem em sua vida (Beck, 1988; Guimarães, 2019). Dessa forma, é compreensível que o terapeuta se atente às cognições distorcidas dos cônjuges para um bom desenvolvimento do processo terapêutico.
Destaca-se também os “padrões de interação/comunicação disfuncionais” como um problema conjugal de grande relevância, com segunda maior porcentagem nas técnicas encontradas. Esse resultado aponta um fator comportamental interno ao relacionamento, que é de suma importância no tratamento clínico com casais (Maciel et al., 2022; Pantoja & Martins, 2020). Beck (1998) realça a comunicação como um indicador importante na relação conjugal que pode manter ou amenizar conflitos entre o casal. Por meio de uma comunicação não ofensiva, o casal pode ter mais satisfação conjugal e a TCC com casais tem sido efetiva para isso (Gameiro & Corrêa, 2019; Guimarães, 2019; Maciel et al., 2022).
Quanto aos objetivos das técnicas, os resultados destacaram a “reestruturação cognitiva do casal”, o que envolve identificar crenças distorcidas, ensinar o cliente a perceber os próprios pensamentos automáticos e flexibilizar distorções cognitivas. Em consonância com os estudos sob enfoque da TCC com casais, a reestruturação cognitiva é o meio pelo qual é possível corrigir expectativas e atribuições que prejudicam o relacionamento (Gameiro & Corrêa, 2019). Por isso, a flexibilização de crenças tende a ser um dos focos da TCC com casais, e o psicoterapeuta pode encontrar uma variedade de técnicas que o auxiliem nesse processo, como, registro de pensamentos, flecha descendente, questionamento socrático, escrita de diários, lista de prós e contras sobre mudança de comportamento e lista diária de aspectos agradáveis do relacionamento.
Na análise dos objetivos das técnicas, observou-se um realce nas técnicas de “avaliação de demanda”, que está entre os resultados com maior porcentagem, demonstrando haver um número importante de técnicas para essa etapa inicial do processo terapêutico. Os resultados encontrados são compatíveis com as preocupações de pesquisadores e terapeutas no processo interventivo com casais, que afirmam ser importante realizar uma boa avaliação do caso para direcionar o desenvolvimento da terapia e o alcance dos objetivos (Cardoso, 2021a; Peçanha & Rangé, 2008; Wenzel, 2018). Para conduzir o processo psicoterapêutico com casais, o profissional deve realizar uma boa avaliação de demanda, a fim de conhecer as necessidades do casal, seus pontos fracos e fortes, os quais conduzirão o planejamento de intervenções (Worrell, 2015). Para este fim, encontrou-se técnicas como: tarefas de casa para casais, retroceder o vídeo, automonitoramento e monitoramento do cônjuge, gravar interação entre o casal, observar o casal resolvendo um problema e linha do tempo sexual do casal.
Técnicas de “ensino para uma comunicação efetiva”, que focalizam o ensino de habilidades de escuta e fala na expressão emocional entre os cônjuges e a resolução de problemas (Pantoja & Martins, 2020), também se destacaram. Maciel et al. (2022) salientam que ensinar habilidades para desenvolver uma comunicação positiva entre o casal é importante para o aumento da satisfação conjugal, pois um grande fator estressor do relacionamento é o padrão de comunicação hostil. Com base nisso, é compreensível que os autores em terapia de casais tenham uma grande produção de técnicas dedicadas a essas problemáticas, com foco em manejar essas demandas no setting clínico, o que foi compatível com os dados deste estudo. Exemplos dessas técnicas são: treino em comunicação, treino de assertividade sexual, regras de etiqueta para diálogo, treino sobre estilos de perguntas, diretrizes para esclarecer impasses e regras para sessões de esclarecimento entre o casal.
As técnicas encontradas foram, em geral, de origem internacional e estão concentradas em livros. Esse é um desafio na área, pois observa-se uma dificuldade no acesso a essas referências por parte dos psicoterapeutas brasileiros, o que se deve ao fato de a TCC com casais no Brasil ainda se encontrar em seu estágio inicial (Guimarães, 2019), enquanto as produções internacionais datem da década de 1980 (Beck, 1988; Dryden & Ellis, 1987). Apesar disso, ao longo dos anos, tem ocorrido um aumento nas produções sobre essa temática no País (Guimarães, 2019), dado compatível com os achados neste estudo, visto que 13 das referências indicadas pelos especialistas são dos últimos 10 anos, e oito produções são de pesquisadores brasileiros.
No que diz respeito à fase do tratamento em que a técnica foi indicada, mais de 50% não tinham essa informação mencionada no texto, denotando que a escolha fica a critério do terapeuta. De fato, a literatura tem discutido sobre o papel do psicoterapeuta na tomada de decisão sobre o momento de aplicação da técnica (Conceição & Bueno, 2020). A TCC é um modelo que surge a partir da conceitualização de caso e utiliza procedimentos técnicos conforme os objetivos traçados no processo (Wenzel, 2018). Então, a aplicação de técnicas pode ser geral ou específica à fase do tratamento (inicial, intermediária, final ou follow-up), em diferentes momentos da terapia. Um exemplo disso está no uso do registro de pensamentos (Beck, 2021), que pode ser utilizado tanto nas sessões iniciais quanto nas sessões finais. Todavia, vale destacar que identificar essas especificidades da aplicação pode ser importante para o psicoterapeuta nortear a sua prática.
As técnicas encontradas neste estudo foram, em sua maioria, fundamentadas na TCC tradicional, destacando-se também a terapia do esquema e a terapia sistêmico-cognitiva. Possivelmente isso é devido ao estudo ser sob enfoque da TCC tradicional e por esta ser uma abordagem mais antiga do que as outras, apresentando vasta produção de conhecimento desde o seu início (Baucom & Epstein, 1990; Beck, 1988; Dattilio & Padesky, 1995).
Em relação à terapia do esquema, a abordagem tem mostrado um avanço no modelo cognitivo tradicional, além de uma nova leitura sobre a terapia com casais. Os procedimentos técnicos, principalmente baseados na reparentalização limitada e nas técnicas vivenciais, têm somado para intervenções que flexibilizam os esquemas iniciais desadaptativos, permitindo maior intimidade entre o casal e a construção de padrões saudáveis de relacionamento (Abreu, 2019; Bueno, 2020; Paim & Cardoso, 2019). Além disso, a terapia do esquema dispõe de recursos para explicar a dinâmica da relação conjugal e para que os indivíduos tomem consciência de seus esquemas desadaptativos, podendo, inclusive, romper com padrões abusivos de interação entre o casal (Baldissera et al., 2021; Cardoso & Paim, 2024; Cerqueira & Mendes, 2022).
Já na terapia sistêmico-cognitiva, observa-se uma concordância com seu destaque na literatura, compreendida como uma abordagem eficaz para trabalhar problemas terapêuticos mais difíceis, lidando com padrões disfuncionais na intimidade do casal e mudança de memórias problemáticas na infância (Simeone-DiFrancesco et al., 2015). Ademais, esse modelo visa integrar duas abordagens promissoras no atendimento de casais e famílias: a terapia sistêmica, que tem contribuído significativamente para a compreensão das dinâmicas estabelecidas na relação (Simeone-DiFrancesco et al., 2015), e a TCC, que figura como padrão-ouro para uma série de intervenções (David et al., 2018).
Considerando-se a ênfase das técnicas, verifica-se maior enfoque no aspecto cognitivo do que em outras dimensões, o que está de acordo com a literatura de TCC com casais, que destaca a primazia das cognições sobre os problemas conjugais (Beck, 1998). Entretanto, também foi encontrado um número relevante de técnicas com enfoques emocional e comportamental, capacitando o terapeuta a atender as diferentes necessidades que surgem na terapia. A preocupação dos profissionais em identificar a dinamicidade entre os processos cognitivos, emocionais e comportamentais já vem sendo discutida na literatura (Beck, 2021; Cardoso, 2021a; Wenzel, 2018). Isso ocorre pois, embora haja primazia das cognições sobre os desfechos no relacionamento (Beck, 1988), variáveis emocionais e comportamentais também podem influenciar os processos cognitivos - o que indica a inter-relação entre esses fatores (Gameiro & Corrêa, 2019; Guimarães, 2019; Scribel, 2020). Outro ponto importante é que a TCC, como modalidade de intervenção baseada em evidências, está preocupada com a aplicação de intervenções que sejam efetivas para o público-alvo, sendo as estratégias focadas nas emoções e nos comportamentos modelos efetivos no manejo com casais (Guimarães, 2019; Peçanha & Rangé, 2008).
Por fim, quanto à forma como a técnica é descrita no texto, observou-se que 62,2% daquelas encontradas em livros são explicadas, sendo que mais de 30% delas são descritas em etapas de aplicação. Esse é um fator importante para auxiliar o psicoterapeuta nas decisões clínicas, bem como na aplicação eficaz da técnica. Ter modelos claros de como aplicar os procedimentos técnicos pode facilitar os resultados encontrados na terapia. Em relação aos artigos, as técnicas foram apenas mencionadas rapidamente, o que pode ser devido a não ser objetivo dos artigos detalhar os procedimentos técnicos, somente apresentar os resultados encontrados. Esses dados podem indicar que, atualmente, no que se refere à descrição pormenorizada das técnicas utilizadas, os livros são fonte de referencial teórico para a terapia com maior detalhamento do que os artigos, o que também tem relação com os limites disponíveis nas revistas acadêmicas quanto à exposição em detalhes de todos os procedimentos utilizados nos estudos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, reuniu-se uma síntese do conhecimento disponível sobre técnicas cognitivo-comportamentais com casais, analisando-se de forma detalhada suas principais características e categorizando-as, apresentando-se, assim, o desenvolvimento da clínica de TCC com casais. Os resultados encontrados somam para a compreensão de terapeutas quanto às categorias de técnicas que podem ser encontradas na literatura sob esse enfoque. Algumas limitações encontradas na condução deste estudo são: ausência de revisão por pares dos dados coletados; mapeamento por mais de dois pesquisadores, o que poderia refinar os dados encontrados (contudo, essa limitação foi minimizada pela leitura dupla da literatura indicada pelos especialistas); e enviesamento do estudo devido ao método de indicação de especialistas, ficando a critério da subjetividade desses profissionais a seleção das referências consultadas.
Ao se observar as lacunas da área de TCC com casais e até mesmo as limitações desta pesquisa, sugere-se que novos estudos sejam realizados. Indica-se que seja analisada a efetividade da aplicação dessas técnicas na TCC para casais, a fim de reunir evidências atuais sobre os resultados gerados nessa área. Também poderiam ser analisadas quais categorias de técnicas são mais utilizadas em psicoterapia com casais no contexto brasileiro, incluindo se os objetivos terapêuticos são alcançados e se há aumento de satisfação conjugal com o uso das intervenções. Outra possibilidade de estudo envolve o mapeamento das técnicas cognitivo-comportamentais para casais, analisando-se todas as obras disponíveis nesse eixo psicoterapêutico desde a sua proposição na década de 1980. Nesse sentido, poderia ser observada a variação da produção de técnicas ao longo do tempo, apontando também as diferenças entre obras mais antigas e obras mais atuais quanto à forma como estas são descritas. Além disso, também poderiam ser comparadas as obras nacionais e as internacionais, especificando as diferenças quanto à produção e à descrição de técnicas.
Conhecer as principais técnicas cognitivo-comportamentais com casais permite entender como a clínica de TCC com casais tem se desenvolvido e o que tem sido predominante na área. Ao descrever as técnicas disponíveis ao psicoterapeuta, é possível dar mais visibilidade a elas, suprindo uma lacuna da dificuldade de acesso. Esta pesquisa apresentou uma indicação quantitativa das principais características das técnicas encontradas, o que pode ser de grande utilidade para fundamentar intervenções e embasar estudos sobre terapia de casal. Considera-se que as produções sobre a TCC com casais devem ser estimuladas no Brasil.